1 de abr. de 2013

Roma por Cony

"Comparada a Paris, é uma aldeia. Comparada a Nova York, um buraco velho, descascado e sujo. Mas nenhuma obra feita pela mão do homem possui a beleza e merece a glória desta cidade, cabeça do mundo, um pouco berço, um pouco túmulo da civilização ocidental"



Chego agora a Roma, novamente, é sempre como se aqui viesse pela primeira e última vez. Ando a esmo pelos becos mal iluminados, a cidade parece uma velha estação ferroviária onde os trens nunca chegarão.

Não é grande a cidade. Seus palácios e vilas, suas igrejas e mármores cabem em poucos metros quadrados. Andando a pé, pode-se ir de uma colina a outra em pouco mais de uma hora, cortando em diagonal o seu centro histórico.

Comparada a Paris, é uma aldeia. Comparada a Nova York, um buraco velho, descascado e sujo. Mas nenhuma obra feita pela mão do homem possui a beleza e merece a glória desta cidade, cabeça do mundo, um pouco berço, um pouco túmulo da civilização ocidental.

Urbe acima de todas, quem a vê pela primeira vez fica impressionado com a agressividade do tempo que desbotou paredes e criou ruínas de travertino e carrara. À noite, as lâmpadas são fracas, parecem iluminar uma imensa estação ferroviária do interior.

Filha de uma loba, Roma se apresenta em sucessivas camadas: a dos etruscos, dos latinos, dos césares, dos papas, do "rissorgimento", de Mussolini - a única realmente bruta. Nela, predomina o barroco, "Roma Bernini ha fatta", mas Bernini nem era romano, era napolitano, está para a cidade como o Aleijadinho está para Ouro Preto.

Também foi em Roma que o fiorentino Michelangelo deixou a Pietá, em São Pedro, o Moisés (em San Pietro in Vinculis) e a formidável cúpula que assinala a Roma do Renascimento como o Coliseu é a marca da Roma dos Césares. Mas quem vai a Roma e não vê o êxtase de Santa Teresa, orgasmo do mármore exaltado, na igreja de Santa Maria da Vitória, pode ter visto o papa, mas não viu nada.

Falam mal da cidade. O trânsito é insano, as paixões tremendas, os gerânios nas sacadas da Piazza Navona estão sempre abertos, aberta e espantada está a fachada de Santa Agnese in Agone. É bom ouvir o barulho das águas que caem das fontes. De repente, os sinos de todos os campanários começam a tocar.

Acontece então o milagre de todos os dias. O carrilhão maior de São Pedro encobre com um toque solene os ruídos da cidade. É um som grave, quase soturno, que fica boiando no ar como imenso pássaro de bronze, recolhendo em suas asas um fragmento do tempo, o instante de eternidade.


Texto de Carlos Heitor Cony, publicado na Folha de S.Paulo em julho de 1995. Fonte: Folha de S.Paulo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário